Estou inquieto.
Concentro em mim um faro inimputável para a ansiedade
Uma necessidade lírica de procura inconsequente
Uma lente deformadora que transgride a linha da serenidade, que dilui os contornos palpáveis da lisura invernal em que me movimento
Tento viver através da fátua imagem literal que este exterior constrói por mim
Mas não resisto
Sou inquieto.
Sou néscio na minha forma de saborear a existência
Porque não me sento e espero que o brilho das coisas puras me cale e me molde à vontade dos presentes que se sucedem?
Porque tenho eu de interferir no decorrer do tempo?
Porque tenho eu de ver o cheiro que a rua exala?
Porque tenho eu de ouvir a forma do céu impertinente?
Porque tenho eu de sentir os sons que saem das clarabóias da imagem de um gosto pelo colapso de todas as coisas materiais?
Porque sou eu o que procura e não o que atinge a meta?
Vivo nesta solidão socializada, neste engano puro dos olhos que fingem ver o brilho imaculado na fachada de um prédio senil, nesta mentira de caminhar sobre a inconsistência de um volume sem piso.
Vivo através deste olhar de pastor toxicómano, vivo nesta ilusão de fruir a verdade de uma realidade que partilho e não consigo.
Sinto esta chama de propósitos em cada multividência de mim cá dentro
Saio de casa e sou incauto nas minhas tendências para a funcionalidade
Caminho só e livre
Porque só sou verdadeiramente livre quando estou só
Só sou verdadeiramente verdadeiro quando me sinto a mim e não aos outros
Rumo ao impasse de um trajecto mil vezes consumido
E ele é outro, é todos, é um só na sua multitude de existências
E forçosamente não percebo que ele é sempre o mesmo
Depois disto quem me forja uma identidade?
Quem me liberta da pena a que me condenei por existir nesta dimensão da essência
Da essência de algo que não é essencial?
Essencial sou eu mais esta essência mais este perene fardo que transporto
E todas as verdades do mundo que não passam de mim mesmo para o mundo
Ficam cá, ganham fungos de tanto permanecerem
Germinam novas características da mesma coisa
Coisa que se perpetua
Coisa que não é coisa, são coisas.
Ah a verdade de um poema já escrito!
E a mentira daquele que está cá dentro!
Que dualidade?
A dualidade desta visão quimérica do invisibilismo a que me voto
E a surpresa de uma dependência trivialmente inata pelo fingimento
Por me tornar inverosímil sem condições, sem restrições!
Inquieto-me
Intemporalmente inquieto-me
Para dar materialidade incorpórea à linguagem
Essa linguagem autista dos segredos não-falados
Esta verborização selvagem, esse cais de largada onde o destino está marcado à hora da partida.
Inquietação
Ou o tempo em que o pensamento é sobre-humano
Forçosamente inquieto e sobre-humano.
14 março, 2006
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