09 março, 2006

Mesmo a calhar...


NÃO: Não quero nada.
Já disse que não quero nada.

Não me venham com conclusões!
A única conclusão é morrer.

Não me tragam estéticas!
Não me falem em moral!
Que mal fiz eu aos deuses todos?

Se têm a verdade, guardem-na!
Não me macem, por amor de Deus!
Queriam-me casado, fútil, quotidiano e tributável?
Queriam-me o contrário disto, o contrário de qualquer coisa?
Se eu fosse outra pessoa, fazia-lhes, a todos, a vontade.
Assim, como sou, tenham paciência!
Vão para o diabo sem mim,
Ou deixem-me ir sozinho para o diabo!
Para que havemos de ir juntos?
Não me peguem no braço!
Não gosto que me peguem no braço. Quero ser sozinho.
Já disse que sou sozinho!
Ah, que maçada quererem que eu seja da companhia!
Deixem-me em paz! Não tardo, que eu nunca tardo...
E enquanto tarda o Abismo e o Silêncio quero estar sozinho!
Álvaro de Campos, Lisbon Revisited, 1923

5 comentários:

Anónimo disse...

É a 2ª vez que alguém de quem gosto muito usa este poema para dizer o que sente...
Por vezes, querer ser e estar sozinho é ser egoísta...

Catarina

bruno maia disse...

Pronto, sou egoísta... e então?
Além disso a poesia não é necessáriamente um estado de espírito. É um acto de criação, vale pela beleza que transmite e pela reflexão que provoca. Só!

Sergio Figueiredo disse...

Aliás, pode não transmitir beleza alguma, sendo esse o seu propósito (ver cena do ódio de almada negreiros por exemplo).

Mas é curioso como mais gente do que se imagina passa por isto, seja por culpa própria seja por culpa doutrem.

Anónimo disse...

sera talvez um egoismo saudavel, pq ás vezes precisamos estar sozinhos, ate mesmo para valorizar o papel dos "outros" no nosso mundo"! percebo-te e sinto o q sentes...

bruno maia disse...

:) quando a poesia suscita a discussão, no meu entender cumpre muitos dos seus propósitos!!!! obrigado por responderem.
Só duas coisas para acrescentar à discussão:
1. Quando falo em beleza, faço-o em sentido mais lato. Claro que é discutível esta significação que lhe atribuo, mas mesmo a cena do ódio transmite a sua beleza enquanto obra, enquanto veículo de "comunicação" e "transformação" do mundo;
2. O "sentir-se só" pode ser um estado de alma, pode ser uma necessidade. Mas pode ser mais do que isso, quantas poesias, escritos, pinturas, etc. não foram criadas neste estado, "só"? No meu entender... TODAS. Estar só não é estar triste (aliás, não é sempre), estar só também é ver o mundo através do caleidoscópio inacabado que construímos continuamente... Aquele que nos oferece um mundo que é só nosso... Onde estamos "sós"... E por estarmos só nós é que ele é só nosso...